Feitas as considerações acima, é necessário lembrar que a conjuntura nacional vem sendo sacudida por uma sucessão de ataques à democracia e ao povo brasileiro nos últimos anos, podendo ser citados o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, a brutal execução de Marielle Franco, a prisão política de Lula, a criminalização dos movimentos sociais, a farsa da operação Lava-Jato, a reforma da previdência, a reforma trabalhista, a flexibilização para o uso de centenas de agrotóxicos, o aumento histórico dos desmatamentos e queimadas, o favorecimento do agronegócio em detrimento das populações originárias e pequenos agricultores, censura às artes e ao conhecimento, com ataques diretos a figuras públicas, artistas e cientistas, que se posicionam em defesa das vidas humanas, dentre outros ataques que acabam expondo o viés conservador e neoliberal do governo brasileiro. Os ataques e o agravamento da conjuntura ampliaram-se nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro.
A pandemia da Covid-19 permitiu que o governo Bolsonaro mostrasse seu viés mais perverso, à partir das políticas negacionistas e de blindagem das grandes fortunas, para além de favorecimentos trilionários ao capital financeiro, em detrimento às vidas e empregos, já precarizados e escassos, da população brasileira. Vivenciamos uma crise sanitária e social sem precedentes. A rearticulação dos movimentos sociais e de classe, e nossa atuação conjunta, se mostram como necessidade imediata, para enfrentarmos às diversas violências inferidas à nós, inclusive combatendo ataques às liberdades democráticas, de cátedra e de militância.
O viés punitivista e criminalizador contra as populações vulnerabilizadas se afirma quando observamos o esvaziamento das políticas públicas de assistência social e o quase esgotamento dessas políticas, quando se trata de formação continuada e inclusão produtiva. O mesmo se observa com relação às políticas de habitação popular e reforma agrária. Na pandemia os significativos índices de agravamento da pobreza, foram seguidos pela redução dos investimentos em seu combate, delegando à sociedade civil ações de solidariedade e combate à fome.
O caráter desumanizador desse governo, perante os setores historicamente oprimidos de nossa população mostra-se desde o início, com a desarticulação ou esvaziamento dos Conselhos de Defesa de Direitos e constantes ataques às políticas reparatórias quanto à opressão de gênero, raça e orientação sexual. Tais ações sistematicamente abriram caminho para o aumento das violências e genocídio dessas populações.
Desde o golpe jurídico-parlamentar de 2016, as classes dominantes mostraram que não se sentem dispostas a honrar o acordo pelo qual a melhoria das condições de vida dos mais pobres seria tolerada em troca da garantia de paz social. Como parte da barganha envolvia a desmobilização popular, para que as elites se sentissem seguras, ficamos em condição difícil para resistir ao retrocesso. Renovar esse acerto significa aceitar limites ainda mais rígidos à transformação social, em nome de vantagens ainda menos expressivas para a população pobre. E com o risco de que, mais adiante, um novo retrocesso seja imposto, com condições de resistência ainda mais frágeis. É uma armadilha.
Qualquer governo progressista que volte ao poder no Brasil tem que inverter a opção do lulismo e apostar em ampliar a mobilização popular. A política da esquerda, sobretudo em momento de resistência, não pode ficar à mercê do calendário eleitoral. Passadas as eleições municipais, as atenções se voltam para 2022. É essa a armadilha da política eleitoral, que canaliza nossas energias e nossas esperanças para uma disputa estruturalmente enviesada a favor de quem controla o dinheiro e a informação. Não é apenas mexendo as peças no xadrez eleitoral que vamos alterar as correlações de forças da sociedade que possibilitaram o atual cenário. Precisamos atacar na frente institucional e na frente de massas, intensificar o trabalho político cotidiano, organizando os vastos setores que são vítimas do atual governo para resistir e lutar contra os flagelos do autoritarismo e do neoliberalismo. Esse é o trabalho a ser feito. O resultado eleitoral pode ser consequência dele, mas não é seu único horizonte.
Neste sentido, o PSOL - como já vem sendo feito - não pode considerar a permanência de Bolsonaro no poder até o fim do mandato como fato consumado, inexorável. Apesar da resiliência de sua base fanática e golpista, a aprovação do governo se aproxima dos seus mínimos históricos - cerca de 30% de aprovação - e crescentes setores da sociedade se afastam do bolsonarismo. Todas as oportunidades de desgaste do governo de extrema-direita - seja pela agitação pelo andamento de algum entre as dezenas de pedidos de impeachment de Bolsonaro, pelas investigações contra as ilegalidades cometidas pela família do presidente, ou investigações no âmbito do Congresso Nacional (como a CPI da Pandemia) - devem ser aproveitadas, e o partido deve continuar a cumprir o seu papel de pressionar politicamente pelos mesmos.
Neste sentido, apesar da cautela e das medidas necessárias de prevenção e cuidado que a pandemia impõem, o partido precisa estar atento e contribuir para o sucesso das mobilizações populares e de rua contra o bolsonarismo - como os atos ocorridos em diversos estados brasileiros pelo impeachment do genocida no início de 2021.
Ao mesmo tempo, a mobilização - dentro e fora da arena política institucional - pela implementação de políticas que permitam ao povo brasileiro ter as condições de enfrentar a pandemia com a preservação das vidas e a garantia de direitos sociais e econômicos para o cumprimento das medidas de contenção da Covid-19.
Contudo, com tal alteração radical na conjuntura brasileira, entram em cena novos fatores e possibilidades, que abrem caminhos para o PSOL e a esquerda brasileira, bem como uma variedade infinita de propostas que movimentam os sonhos da esquerda e a luta socialista pelo mundo, colocando o partido diante de três grandes desafios.
O primeiro desafio é a resistência que nós devemos fazer em relação ao avanço reacionário em nosso país, representado pelo Governo Bolsonaro (em âmbito nacional) e o governo Zema (em âmbito local). O segundo desafio passa pela reorganização da esquerda em nosso país, para que não seja só mais um movimento de “oposição”, mas que tenha reais condições de criar um projeto radical, popular e estruturalmente transformador para o Brasil, que seja capaz de derrotar a extrema direita e ao mesmo tempo abrir caminho para a construção de uma nova sociedade do bem-viver. O terceiro desafio é criar um ambiente de possibilidades reais, no campo eleitoral, para derrotar a extrema direita e as candidaturas representantes do agronegócio, do conservadorismo, do fundamentalismo religioso, das grandes fortunas e do mercado financeiro.
Em suma: Construir o PSOL como alternativa real de poder frente a disputa política e a luta de classes na sociedade brasileira.
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